A agonia da Lagoa de Maricá

Por Heloneida Studart - Uma estrada de barro e duas fileiras de casas feias que a separavam do mar, não perturbavam sua cristalina beleza. Era farta, curvilínea e azul, brilhantemente azul, mesmo nos dias de céu sombrio. As gaivotas deixavam o verde do mar pelas suas águas e, de longe, podia–se vê-las, mergulhando ou pousando, ou simplesmente bailando, como dançarinas de branco.

Os pescadores a elogiavam. “Tiro o meu sustento dessa bendita lagoa”. Já os mais antigos faziam reparos: “Quando eu era rapazinho, essa lagoa era a maior fornecedora de camarão para Niterói”.Alegrias passadas. Hoje, passados 10 anos, a lagoa de Marica é o fantasma do que foi.

Avanço das construções, falta de saneamento básico das residências, descaso das prefeituras, desprezo dos governantes estaduais (mais preocupados com a demagogia do que com a ecologia), vai envenenando essa joia da natureza. Os loteadores vivem de olho nela. Esperam o dia em que fique completamente aterrada para construírem sobre o que foi manguezal, suas casas feiosas, mas lucrativas. Esperam a morte da lagoa para vendê-la a prestações. Planos para salvá-la existem muitos. Só a SERLA, que eu sabia, guarda três em suas gavetas mofadas. Tive um deles nas mãos, levei-o em companhia do então prefeito Uilton Viana ao então governador Marcello Alencar. Não aconteceu nada, por falta de vontade política. Ou até aconteceu: a horrenda estrutura metálica de uma ponte que começou a ser construída e foi abandonada ao sol e à chuva e hoje virou monumento à incompetência e à improbidade.

A lagoa de Maricá que em lugar do mundo seria atração turística, está morrendo como já morreram outras duas do complexo de sete lagoas da região até o seu azul mudou como mudam as cores dos doentes, antes do livor da agonia. Os pescadores estão virando birosqueiros. É necessária uma noite inteira de trabalho para que os puçás recolham dois punhada pelo desenfreado loteamento clandestino que ali ganha espaço.

O processo de degradação, segundo pessoas que vivem na região, está se dando de forma contínua e generalizada. Os órgãos de fiscalização do município e do estado, com representação em Parati, no olho do problema, não tomam providências. Na carona da omissão do Poder Público, políticos, ligados ou não a causa ambiental, prometem denunciar os crimes ambientais ao Ministério Público Federal. Com a palavra os Prefeitos da região, que até agora têm se manifestado de forma tímida, procurando sempre minimizar a extensão do problema. Depois não reclamem das urnas. Não vão culpar o povo por erro de julgamento das suas administrações. Está, portanto, mais do que na hora de o poder público imaginar meios de promover a recuperação ambiental da Costa Verde dos de camarões. Eu sei que a destruição da Terra é planetária, que os Estados Unidos, reis do mundo, se recusam a tentar salvar o planeta da poluição. Mas acho que cada um deverá defender o seu pedaço. Cada um podia lutar por seu rio mais próximo, sua restinga, seu manguezal, sua cachoeira. Eu, por mim, continuo lutando pela lagoa de Maricá. A mesma lagoa.


Nota do Editor: Moradora de Maricá, Jornalista, escritora, política, feminista e mãe, Heloneida Studart atuou como deputada na Alerj (PT-RJ) por seis mandatos. Ela foi uma das pioneiras do movimento feminista no Brasil. Em 1975, criou o Centro da Mulher Brasileira (CMB), uma das primeiras entidades feministas do país que defendia o direito das mulheres na época da Ditadura.

Heloneida participou do chamado "Lobby do Batom", que defendeu os direitos trabalhistas das mulheres, como os 120 dias de licença-maternidade. Em 2007, ano de sua morte, Heloneida foi nomeada diretora do Centro Cultural da Alerj e do Fórum de Desenvolvimento Estratégico do Rio. 

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