“Atos” e Assuntos Religiosos – Parte II


Adilson Pereira - Seguindo o raciocínio a respeito da separação entre Igreja x Estado, procurei informações dentro do cerne da própria Igreja, identificando os que têm coragem suficiente para se posicionarem, os omissos e os piores... Os corporativistas. Na busca, tive o prazer de perceber o belo trabalho de alguns “verdadeiros homens de Deus”, que não ficam em cima do muro, ou silenciam-se na vil tentativa de conservar as boas aparências.    
Para início de conversa, independência da igreja não quer dizer que ela e o Estado não troquem influências mútuas do ponto de vista subjetivo e teleológico. De um lado está o Estado positivando, através das normas,  a existência da “igreja física” com suas características, igualmente físicas, inerentes a cada sociedade, seja ela harmoniosa ou não. De outro lado, a igreja como entidade amparada pelo Estado cumpre seu papel social, seja pelo ponto de vista religioso ou social. Isto é, o fim a que se destina cada uma é harmônico em seu ente e desarmônico ao coletivo.
Outra interpretação que cabe aqui é, que a igreja e o Estado possuem esferas diferentes. A Igreja é cidadã deste mundo e se sujeita às leis de justiça e de bom senso. Mas deve exclamar como os apóstolos, em Atos 4.19: “Mas Pedro e João, respondendo, lhes disseram: Julgai vós se é justo diante de Deus ouvir-nos antes a vós do que a Deus”. A lealdade última da Igreja é para com Deus e sua Palavra, sua pátria mais amada é a celestial. O Estado também está sob a lei da justiça Divina. No Antigo Testamento, Deus escolheu Israel, mas é Senhor de todas as nações e toda a terra.
No Brasil, constantemente, verbas públicas são usadas para recuperar igrejas católicas, consideradas como patrimônio arquitetônico ou cultural. Mas são lugares de culto. Isto é contra o princípio de um Estado laico, não devendo investir em nenhuma religião nem beneficiar nenhum culto.
Diferentemente de grupos Anabatistas e outros radicais do século XVI, os Batistas nunca questionaram o Estado por ser Estado, mas também não o divinizamos. A luta do Apocalipse mostra o Cordeiro contra um Estado que deseja ser Deus. Nosso compromisso é com a justiça, com a honestidade e com a dignidade humana. Podemos nos rejubilar de termos em nossa história um Prêmio Nobel da Paz, o pastor Martin Luther King Jr., assim agraciado pela sua luta pelos direitos dos negros norte-americanos. Mas, quando a turma de formandos do Seminário do Sul, em 1968, o tomou como seu paraninfo, alguns dos missionários americanos que lecionavam no Seminário, bem como parte da cúpula batista brasileira, ficaram indignados com os alunos. Indignaram-se com os alunos porque, tanto os missionários americanos, quanto alguns da cúpula batista brasileira, estavam muito sintonizados com o regime militar e achavam que King era um comunista, um agitador. Que miopia! Que perda de senso de história!
Na Escandinávia, os pastores luteranos são pagos pelo Estado, mas uma igreja batista deve encarar seus valores como espirituais e celestiais. Uma igreja batista faz parte da Igreja de Cristo, que não mistura questões raciais, étnicas, geográficas ou quaisquer assuntos afins.
Deus não é brasileiro, nem tem nacionalidade alguma. Devemos ser patriotas, mas devemos discordar do Estado quando este invade uma área que não é sua. Por incrível que pareça, há alguns anos, um vereador de Campinas apresentou projeto para criar um órgão público para “deliberar, normatizar, fiscalizar e executar políticas relativas aos direitos e interesses do seguimento religioso evangélico”. Os batistas locais encabeçaram uma grande grita: Não compete ao estado criar órgãos para as igrejas. Aonde isto nos levaria? O vereador acabou retirando seu projeto.
Isto também nos é uma advertência: somos cidadãos como todos os demais e não devemos esperar tratamento especial. Inquieta-me ver igrejas batistas pedindo ônibus às prefeituras e órgãos públicos para fazerem piqueniques; pedindo trios elétricos para fazerem arrastões. Se não têm dinheiro para alugar um ônibus ou trio elétrico, que não os use! Vão a pé ou não façam piquenique ou seus arrastões! Se nos incomoda ver dinheiro público sendo usado para levantar estátuas de Iemanjá em cidades da orla marítima, deveria nos incomodar também o uso de dinheiro público para movimentos evangélicos. O poder civil não pode patrocinar nenhuma religião, muito menos a nossa!
Nunca fomos subversivos, mas não podemos ser coniventes com um Estado desumano, corrupto, desvalorizador da família e da vida humana. Nosso norte são os valores da Palavra de Deus, olhamos para eles e seguimos nossa jornada. O que se desvia disso é o que recriminamos. O problema não é se nos beneficia, mas se o princípio é bíblico.
Pagamos impostos, servimos ao exército, damos nossa parcela para este país. Mas não o sacralizamos nem o deificamos. O culto ao Estado produziu uma aberração chamada “Cristãos Alemães”, que queria uma igreja germânica, de raça pura. Não podemos nem devemos admitir a ingerência do Estado em nossas vidas. Nem transigimos nossos padrões por causa do Estado. As casas de prostituição pagam taxas e são estabelecidas legalmente, mas prostituição é pecado. O que é legal nem sempre é moral. O casamento de homossexuais pode ser tolerado civilmente, mas ainda assim é pecado. Uma igreja batista deve dizer como Lutero: que sua consciência é cativa da Palavra de Deus.
Nossas igrejas não se cevam às custas do Estado, não lhe pedem dinheiro nem benesses, não o apoiam em busca de favores. Eventualmente, podemos ter a mesma linha de um determinado político ou de um partido, mas nunca seremos subordinados, subservientes, nem sustentadores do poder civil.

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