CONSELHOS DIABÓLICOS - A voz do povo é a voz de Deus

Maurício Pássaro - Depois que se elegeu, tudo mudou. Entrou na política dizendo que faria uma grande faxina no país, mas chegando ao poder a sujeira só fez aumentar. Cinzas de charuto cubano passaram a empretecer o assoalho do gabinete presidencial.

Antes fossem apenas estas cinzas! Porém, uma sequência ininterrupta de escândalos de corrupção e desvios assolou o governo. E ele, um homem sábio, respondia como o filósofo Sócrates:

- Só sei que nada sei! Só sei que nada sei!

A imprensa, porém, vocês sabem, enche a paciência de qualquer um. Como se houvesse algo de antinatural ou incorreto no desconhecimento do responsável maior da nação. Mal dá para controlar tudo. Canetas, por exemplo, quantas já não levaram de sua mesa...! Talvez criasse mais um ministério, uma pasta que se encarregasse de saber das coisas que um presidente não pode saber. Já estava cansado de ter que chamar a atenção de ministro marmanjo. Então se lembrou que fizera o diabo para se eleger; agora faria o mesmo para se livrar dessa perseguição injusta sobre a sua pessoa. “Quarto poder é o cacete!” – suspirou filosofando enquanto pensava na imprensa com carinho. Além do mais, já havia punido seus subordinados severamente – “Não façam mais isso, isso é muito feio...!”

Foi pensar no coisa ruim, ele apareceu:

- Pois, não, Excelência?

O presidente saltou de sua cadeira espalhando os papéis da mesa. Pôs a mão direita (sic!) sobre o coração e suspirou compulsivamente. Depois se acalmou.

- Calma, companheiro. Sou eu, seu velho amigo. Há! Há! Há! Há...!

Sua excelência explica ao diabo o seu problema. O tinhoso tira de uma caixa um charuto e o acende com o próprio bafo. Cheiro de enxofre no ar. E responde:

- Tranquilidade, camarada. Farás o seguinte...

E revelou que o presidente precisava promover uma reforma política. A política não é fonte de reclamação popular? Então! Nada como levantar mais essa bandeira. E uma Constituinte. Aproveita para mudar algumas coisas da Constituição Federal que entraram lá por equívoco, em 1988, por obra da direita. O povo quer participar. “O povo é a voz de Deus” – proclamou o demônio – e Sua Excelência disse “Obrigado, embora minha voz esteja um pouco rouca hoje”.

- Conselhos populares. Esse é o caminho já traçado nos países vizinhos, agora é a vez do Brasil. Em breve, revelarei meu plano para juntar todas as nações numa grande pátria. Crie os conselhos. Aí você coloca lá gente infiltrada do seu partido e terá a população em seu controle. E isso dará à sociedade uma imagem positiva de se viver numa democracia participativa.

- Boa, senhor capeta! Já posso imaginar meu exército de companheiros invadindo, quer dizer, ocupando casas e edifícios... Aí, a gente bota o nosso pessoal nos conselhos para decidir se o proprietário cumpre ou não a função social. Juiz para quê? Se não cumprir a função social, a propriedade passa para as mãos do partido, quer dizer, do povo. He! He!

- Vossa Excelência aprende muito rápido, não é mesmo? Há! Há! Há! Há...!

O presidente estava preocupado com a oposição ao plano. Mas, o diabo o confortou dizendo que não se preocupasse com isso.

Sua Excelência agradeceu ao amigo, disse que não sabia como retribuir pela ajuda. O encardido respondeu:

- Além da sua alma? A Casa Civil. E a diretoria da Agência Nacional das Águas. Água vai ficar cara e rara no mundo. Isso aqui vai ficar quente como os infernos...

Vossa Excelência falou que tudo bem, desde que ficasse bem entendido uma coisa: se alguém descobrisse o plano depois, ele responderia que não sabia de nada.

- Fechado?

- Fechado.






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