Cartilha contra a corrupção nas prefeituras - Última parte

A justiça brasileira é demasiadamente lenta. Muitas vezes, processos judiciais por improbidade administrativa são iniciados, mas os acusados só são julgados após o cumprimento integral de seus mandatos. Durante esse período, furtam o máximo que podem e acumulam recursos para sua defesa futura. Quase sempre alcançam esse objetivo, alimentando o círculo vicioso da impunidade. Esse movimento acaba por frustrar a busca por justiça.
O processo político de cassação do mandato pela Câmara Municipal (impeachment) se desenvolve mais rapidamente. O mecanismo é disciplinado pelo decreto-lei n° 201/67, de âmbito federal, e pela Lei Orgânica do Município, a qual, da mesma forma que o Regimento Interno da Câmara de Vereadores, varia de cidade a cidade.
É indispensável aprofundar-se no exame desses instrumentos legais, para informar o oferecimento de denúncias e para acompanhar o processo em todos os seu trâmites legais e formais. O domínio desses estatutos é essencial, pois, geralmente, os fraudadores contratam advogados hábeis, que exploram os erros cometidos na formalização e tramitação de processos, conseguindo, assim, a sua anulação.
Desse modo, é recomendável a orientação e o acompanhamento jurídico durante o processo, o que pode ser viabilizado mais facilmente por meio da colaboração de uma ONG. Sem a assessoria de um advogado, a chance de anulação do processo é muito grande.
Em cidades pequenas, é comum o prefeito cooptar a maioria dos vereadores. Quando isso ocorre, é preciso mobilizar a sociedade para pressioná-los e alterar o curso do processo. Também nessa questão, a ONG pode vir a ter papel fundamental, no sentido de promover a pressão popular e mudar a história.
Em situações em que não haja provas cabais dos desvios,,ou quando o apoio político não é suficiente para desencadear um processo de cassação, é aconselhável que a primeira providência seja a de propor a criação de uma Comissão Especial de Inquérito na Câmara Municipal, com o objetivo de apurar os fatos merecedores de investigação. Essa comissão investiga as fraudes e posteriormente, com base em suas conclusões, pode propor o impeachment do prefeito.
É preciso atentar para a formação da Comissão Processante que dirigirá o processo de cassação. Se a equipe for subserviente ao prefeito, dificilmente encontrará fraudes, e, ainda, passará atestado de idoneidade ao corrupto. Aí, novamente, é importante a pressão de uma ONG e da sociedade para evitar a constituição de uma de faz-de-conta, que acaba por nada apurar.
Deve-se observar que um vereador, ao apresentar a denúncia, fica impedido de votar na Comissão. E, no caso de ser também acusado de fraudes, não pode votar no processo. As regras para solicitar o seu impedimento e a convocação dos suplentes variam de acordo com o regimento de cada Câmara Municipal.
Qualquer eleitor pode entrar com denúncia na Câmara Municipal pedindo a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar atos de corrupção ou de improbidade administrativa. Também tem o direito de formalizar a denúncia para a cassação do mandato. As formalidades essenciais estão no decreto-lei 201/67 e os detalhes podem variar em cada município. No confronto entre o decreto-lei e a legislação municipal, o código federal tem precedência.
Organização das ações da ONG
Como em qualquer processo de gestão, é importante que a comunidade, por meio de uma ONG ou de lideranças organizadas, estabeleça responsabilidades e funções, como, por exemplo:
  • quem fará um levantamento de todos os recursos a serem mobilizados junto à população: associações de bairro, de moradores, entidades de classe etc.;
  • quem estimulará a formação de grupos de apoio através de outras entidades;
  • quem redigirá os boletins informativos e quem cuidará de sua distribuição;
  • quem mobilizará as vilas no corpo-a-corpo;
  • quem será o interlocutor com a Câmara Municipal;
  • quem falará com a imprensa;
O processos de coordenação central e comunicação precisam ser conduzidos por um grupo reduzido, perfeitamente afinado, e conectado on-line. A cada passo, sempre deverão ser tomadas providências urgentes com o objetivo de:
  • rebater imediatamente os boatos lançados pelos investigados e acusados;
  • não cair no jogo do inimigo, que tentará desqualificar os membros do grupo acusador, espalhando boatos e tentando criar fatos que os desqualifiquem;
  • insistir sempre no objetivo das denúncias, pois a todo instante os corruptos tentarão desviar a atenção para outros temas e para outras gestões. Para isso, argumentam que tudo sempre foi igual, buscando qualificar as denúncias como uma iniciativa político-partidária. Tentarão representar o papel de vítimas da perseguição de grupos de poderosos ou de injustiçados pela população. É preciso, porém, não se deixar levar por discussões, pois desviar o assunto é técnica diversionista.
  • formar caixa para custear as despesas necessárias;
  • intervir sempre que o grupo apresentar algum tipo de desentendimento e focar os esforços sempre no objetivo maior para superar as divergências internas.
A participação em um processo político de cassação pressupõe que os participantes tenham claros os objetivos finais e uma direção bem definida. Durante o percurso, é comum surgirem situações complexas, divergências pessoais e suscetibilidades feridas, que podem comprometer a coesão do grupo. É urgente aparar as arestas, aproveitar os aspectos positivos de cada um e superar diferenças, a fim de manter a união e atingir a meta.
Em qualquer grupo ocorrem discordâncias, além de egoísmos e vaidades. Há pessoas mais, ou menos, suscetíveis. Ao se formar um conjunto de pessoas, é importante saber disso de antemão e se preparar para resolver as diferenças, aproveitando os aspectos positivos de cada membro. De nada adianta desanimar-se com os atritos que acontecem, pois são comuns a quaisquer grupos de pessoas.
É conveniente que as eventuais críticas não sejam feitas às pessoas, mas às suas ações. Críticas feitas diretamente à personalidade dos indivíduos tornam-se obstáculos difíceis de superar, na medida em que esse tipo de julgamento pode dificultar a convivência e provocar a desagregação. O processo deve ser conduzido com energia, cooperação, paciência e aceitação mútua, visando os objetivos sociais que unem o grupo.
O recurso a leis e órgãos
Um grande conjunto de leis e normas dá respaldo às ações anti-corrupção. Há também uma série de órgãos aos quais se pode recorrer desde as investigações até o final do processo.
Tribunal de Contas do Estado
Apesar de o Tribunal de Contas se ater mais aos aspectos formais dos procedimentos e da documentação quando examina as contas dos prefeitos e das Câmaras Municipais, é importante que, por meio de representação, se faça a denúncia a esse órgão. Algumas análises comparativas e partes do relatório que realizam podem vir a ser instrumentos importantes no decorrer do processo. Eles podem ser usados em eventuais pedidos de abertura de Comissão Especial de Investigação ou de Comissão Processante, meios utilizados para pedir o afastamento político do autoridade municipal corrupta.
Mas é preciso saber lidar com os relatórios do Tribunal de Contas, que podem levar a interpretações dúbias. Assim, quando o Tribunal afirma que “nada se apurou”, normalmente é porque não investigou ou nada encontrou. E quando diz que “não se comprovou a denúncia”, isso não significa que os fatos foram examinados e os acusados inocentados, mas que o denunciante não apresentou provas consistentes e convincentes. Geralmente esses “resultados” são usados pelos fraudadores como atestado de idoneidade.
Ministério Público Estadual - Promotoria de Justiça da comarca
Em caso de suspeita fundamentada e de indícios consistentes, a Promotoria de Justiça é o primeiro órgão ao qual devem ser dirigidas as denúncias, formuladas por meio de representação. Caso julgue a denúncia fundamentada, a Promotoria geralmente abre inquérito civil público para investigar os fatos. Com a abertura desse inquérito, o promotor passa a contar com uma série de facilidades para investigar as fraudes. Uma vez comprovadas, inicia-se uma ação civil pública por improbidade administrativa e ações criminais, quando for o caso.
Câmara Municipal
Qualquer cidadão pode fazer uma denúncia. Dependendo da relevância das provas existentes, pode-se solicitar a abertura de uma Comissão Especial de Investigação (CEI) para apurar fatos que impliquem atos de improbidade administrativa ou de desvio de recursos públicos. Se os fatos abrem a oportunidade de cassação do mandato do prefeito, deve-se pedir a formação de uma Comissão Processante, em que serão feitos a denúncia e o pedido de cassação. Para isso, é preciso observar a lei orgânica do município, o regimento interno da Câmara Municipal e o decreto-lei 201/67 para os procedimentos a serem seguidos.
Procuradoria Geral da República
Muitos delitos cometidos no âmbito municipal, por envolverem repasses de verbas da União, são da alçada da Justiça Federal. Assim, o Ministério Público Federal também pode ser acionado para investigar fatos que estejam em sua esfera de competência.
O acionamento do MPF é importante também porque, às vezes, o Ministério Público Estadual não age com a mesma presteza e desenvoltura apresentadas pela instância federal.
A Procuradoria Geral da República dispõe de um sítio na Internet (www.pgr.mpf.gov.br ) no qual se podem fazer denúncias, inclusive anônimas. Fornece os endereços das Procuradorias Regionais e os nomes e endereços dos procuradores nos estados.
Secretaria da Receita Federal
Os fraudadores, em geral, são afetados por problemas com o imposto de renda, pois não têm como justificar a sua variação patrimonial e seu enriquecimento súbito. É importante que a Receita Federal investigue a situação desses indivíduos, porque, uma vez comprovadas as irregularidades, elas servem de prova nos processos político e judicial. Além disso, se a Receita verificar que há impostos devidos, os corruptos ficam sujeitos à acusação de sonegação fiscal, o que representa uma arma adicional contra eles.
Imprensa
Procure os órgãos de imprensa sérios e comprometidos com a moralidade. Informe-os sobre as fraudes, principalmente quando estiver munido de documentos. Denúncias divulgadas pela mídia motivam as autoridades a tomarem providências e mobilizam a população contra os fraudadores.
A legislação básica nacional
Decreto-lei 201, de 27 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre Crimes de Responsabilidade de Prefeitos e Vereadores.
Lei n° 7.374, de 24 de julho de 1985, Lei n° 8.429, de 02 de junho de 1992 , Medida Provisória n° 2.225, de 4 de setembro de 2001. Disciplinam a Ação Civil Pública -Dispõem sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, etc...
Lei Complementar n° 101, 4 de maio de 2000 Lei de Responsabilidade Fiscal.
Lei 8666, de 21 de junho de 1993. Lei das Licitações.
Lei Complementar n° 64, de 18 de maio de 1990. Estabelece os casos de inelegibilidade.
Lei n° 9.424, de 24 de dezembro de 1996. Lei do Fundef.
Lei Complementar n° 75, de 20 de maio de 1993. Organização, Atribuições e o Estatuto do Ministério Público da União.
Lei n° 8.625, de 12 de fevereiro de 1993. Lei Orgânica Nacional do Ministério Público.
Lei Complementar 734, de 26 de novembro de 1993. Lei Orgânica do Ministério Público Estadual de São Paulo.
Legislação subsidiária: Lei 1.079, de 10 de abril de 1950. Define os Crime de Responsabilidade e regula o processo de julgamento do Presidente da República e os Ministros.
Legislação básica municipal: Lei Orgânica do Município, Regimento Interno da Câmara Municipal. Embora apresentem diferenças, de acordo com cada município, as leis orgânicas e os regimentos internos seguem, em geral, princípios comuns.
BNDES. O sítio apresenta o conjunto da legislação que regula a administração pública, propostas de nova legislação atualmente em discussão, além de farta literatura relacionada a transparência na administração pública.

Fonte: Transparência Brasil
Antoninho Marmo Trevisan, Antonio Chizzotti, João Alberto Ianhez, José Chizzotti e Josmar Verillo

Comentários

  1. LANÇO UMA IDEIA: PARA SER VEREADOR, PREFEITO E SECRETÁRIO MUNICIPAL O SUJEITO DEVERIA LER ESSA CARTILHA DE CABO A RABO, ASSINAR EMBAIXO E REGISTRAR EM CARTÓRIO! ALIÁS, É UMA CARTILHA QUE DEVERIA SER ENVIADA A CADA CIDADÃO DESTA CIDADE E DO ESTADO E DO PAÍS! É O ABC PARA "DEIXAR DE SER OTÁRIO".

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