O pesadelo acorda cedo


Artigo de Elenilce Bottari / Agência O Globo - O contador e analista de sistemas Wanderley Carvalho Giangiarulo sai de sua casa, em Itaipuaçu, Maricá, às 5h20m. Ele pega no trabalho, na Barra da Tijuca, às 9h. Em tese, não precisaria sair tão cedo.

Mas Wanderley optou por chegar diariamente duas horas antes do início do expediente. O motivo é simples: caso contrário, levaria até três horas e meia no engarrafamento. Já a volta para casa não tem jeito. Ele gasta três horas e quarenta e cinco minutos no trânsito. Mantida a média no tempo de deslocamento entre sua casa e o emprego, ao fim de 35 anos de labuta - prazo previsto para a aposentadoria -, os congestionamentos diários terão imposto a Wanderley quase seis anos de prisão no trânsito. O mesmo tempo em que o ator Guilherme de Pádua esteve preso pelo assassinato da atriz Daniela Peres.
Com o crescimento médio da frota estadual em 779 veículos por dia, segundo o Detran, o horário do rush no Rio começa cada vez mais cedo. Nos últimos seis meses, só a capital fluminense emplacou 50.328 veículos - em média, 279 novos veículos por dia. Antes mesmo de o galo cantar aos primeiros raios de sol, cerca de cem mil veículos já disputam cada centímetro de asfalto nos principais corredores de acesso ao Centro. A maioria deles transportando até dois passageiros. Na Ponte Rio-Niterói, o horário do rush, que em 2011 era de 7h às 10h, hoje é de 6h às 11h, o que engordou o tempo de rush em duas horas.
De acordo com especialistas, essa rotina precisa mudar urgentemente. Professor de transportes públicos da Fundação Getúlio Vargas, Márcio Barbosa defende um sistema de transporte público eficiente e integrado, para acabar com a ideia de que ainda é melhor ficar parado dentro do carro do que em pé no ônibus, no trem ou no metrô. E ainda por cima correndo o risco de não conseguir chegar na hora. Segundo ele, o fluminense sofre com o deslocamento pendular (casa-trabalho-casa).
- Isso acontece porque o transporte público é ineficiente, e o trabalhador acaba optando por passar horas dentro do seu carro, onde pelo menos está sentado, do que ficar em pé, num ônibus que, além de lotado, ficará preso no mesmo trânsito. Para mudar isso, não basta bater no vidro do carro e convidar o motorista a deixar o veículo em casa e utilizar o transporte público. É preciso garantir a este trabalhador que ele terá um transporte bem mais rápido do que o carro, com uma tarifa que lhe dará direito ainda a outros modais, como metrô ou barcas - explicou Márcio Barbosa.
Para ele, o Rio vive um momento especial (em razão dos megaeventos esportivos dos próximos anos) e, pela primeira vez, os investimentos em infraestrutura visam ao transporte público e não apenas a aumentar a malha para abrigar mais veículos particulares:
- O BRT e o BRS que a prefeitura está implantando são exemplos de investimento no setor de transportes públicos. Durante muitos anos, costumava-se falar mal do transporte público rodoviário e defender o ferroviário como solução. Mas, só para o metrô chegar em Ipanema, foram 40 anos. A média de maturação de ferrovias tem sido de dez a 15 anos. O Rio não tem mais esse tempo para esperar. Precisamos fazer vias exclusivas de ônibus cruzando todo o estado e se integrando com outros modais. Para isso, é preciso uma integração entre governos e empresas.
Defensor do transporte de massa, Paulo Cezar Ribeiro, o professor da Coppe/UFRJ, diz que o serviço público continua ineficiente, o que leva as pessoas a soluções individuais:
- É um problema sério, e a frota não para de crescer, principalmente em municípios como Nova Iguaçu. A Dutra está sendo alargada, mas não dará conta disso. É preciso investir em transportes de massa de forma rápida.
O acesso ao Rio pela Rodovia Presidente Dutra, a mais movimentada do país, começa a ficar engarrafado no fim da madrugada. Na concessionária Nova Dutra, o engenheiro Fernando Fortes, gestor de interação com o cliente, explica que a situação já esteve pior. Segundo ele, para amenizar o problema, a empresa criou uma faixa reversível de 2,5 quilômetros entre Nova Iguaçu e São João de Meriti:
- Foi um paliativo enquanto fazemos as obras que criarão mais duas pistas e um acostamento em cada sentido da estrada. Desde o ano passado, a taxa de crescimento foi de 6%. O maior gargalo é nos acessos à capital.

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