Maricá está caindo



A metáfora do avião


Maurício Pássaro - Não caiu no mesmo lugar, nem era um raio. Era um avião, o segundo. Dois caíram na mesma cidade, em curto espaço de tempo. Razão suficiente para fazer Maricá aparecer na mídia. Dois aviões que caem praticamente, no mesmo lugar, são como a cidade gritando: “Olhem pra mim! Olhem pra mim!”

É a tática dos tempos de hoje. Na sociedade do espetáculo, no mundo dos escândalos, o cabrito, pra mamar, tem que berrar, mas tem que ser bem alto, num microfone, alto-falantes potentes. Um segundo avião que cai na mesma cidade do estado do Rio – e olhe que são mais de noventa – depõe em favor de uma voz coletiva: a voz que precisa se materializar em acidente, cair, causar prejuízo e comoção, caso contrário do município ninguém ficaria sabendo. 

Dezenas de ações judiciais investigam o prefeito, que foi eleito com 40% de votos, e agora está inelegível por oito anos, em função de ações na justiça eleitoral. Na imprensa, não cessam as reclamações populares, gente morrendo na saúde pública, mas elas não têm o impacto de uma aeronave caindo.

Maricá está dizendo ao restante do país: “olhem o que está ocorrendo aqui!”. O jornal Folha de São Paulo e a revista Veja estiveram já na cidade fazendo reportagem investigativa. Mas, diante dos fatos escabrosos que proliferam pelo Brasil, o fato de José Dirceu estar articulando firma de consultoria em torno dos royalties do petróleo, na cidade, parece ter passado em vão, não deu ibope. 

Para quem não conhece Maricá, esta é uma cidade a 40 minutos do Rio de Janeiro, generosa em lagoas, praias e serras. Em meados do século passado, era famosa pela atividade do pescado. A rodovia que leva ao município (RJ 106) – antigamente esburacada e mal iluminada – teve melhoria nos tempos do governador Garotinho. Quem cresceu nela cresceu acreditando no que ela iria se transformar naturalmente em uma cidade dedicada à ecologia, ao meio ambiente natural, às atividades ligadas ao artesanato e à cultura nativa. Isso proporcionaria a imagem politicamente correta de uma cidade moderna antenada com a filosofia da sobrevivência dos países de primeiro mundo. 

O que mais desejam os turistas é ver uma cidade que preservou sua tranquilidade e suas belezas naturais - e o turismo é a indústria que mais cresce no país. Maricá poderia se destacar como a cidade “ecológica” da região dos lagos, ter projeção internacional. Mas, está sendo conhecida como a cidade onde os aviões estão caindo. Onde o chefe do mensalão foi pego no flagrante. Sou eu quem está dizendo? Não, quem sou eu...! Foi a Folha de São Paulo, um jornal acima de qualquer suspeita, né não?

A cidade sofre o impacto de uma invasão. O anúncio de que milhões de royalties de petróleo foram creditados à prefeitura, de que empresários europeus desejam investir pesado no ramo da hotelaria, animou a muitos desempregados do estado do Rio, do restante do país e, quiçá, de países sulamericanos. Não é difícil ouvir sotaques estrangeiros, na rodoviária da cidade. Observe as placas de carros: gente vinda de todo lugar, até de Brasília. Mas, terá a cidade condições de amparar a tantos migrantes, em sua estrutura básica, se já está difícil para os 120 mil moradores atuais? Nossa Senhora do Amparo, a padroeira de Maricá, ilumine estas cabeças governantes.

Recentemente um jovem russo foi assassinado em Itaipuaçu, distrito de Maricá – o que não foi suficiente para chamar a atenção da sociedade. Os russos estão chegando? A Rússia está interessada em petróleo. Coincidências? Yo no sé, señor... 

O que se sabe é que a prefeitura de Maricá resolveu patrocinar a escola de samba de Caxias, a Grande Rio, com alguns milhões de reais (fala-se em cinco). Nas mídias locais e nacionais, a população que não tem dinheiro pra pagar plano de saúde reclama do hospital público caindo aos pedaços. Moradores têm postado fotografias do asfalto recém-colocado e já esburacado. Investir cinco milhões em outra cidade, para o pão-e-circo do carnaval, estando Maricá sem a infraestrutura básica, é no mínimo um acinte - pelo menos é o que pensa grande parte dos moradores reclamantes.

Ou seja, pelo menos o setor aéreo tem que prestar atenção nesta cidade. Ao menos, que fique bem claro para aqueles que pensam em viajar até lá: está mais seguro ir de ônibus.

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