CAPTANDO RECURSOS NO EXTERIOR Ou Como torrar o Erário passeando com a família e os amigos

Artigo | Maurício Pássaro - O prefeito da cidade de Buracolândia do Norte apareceu nas manchetes dos jornais de Amsterdã, Holanda. Em pouco tempo, os moradores da cidade souberam. Sua Excelência não estava só. A esposa o acompanhava. Ela também não estava só: carregava seus três filhotes, que também não foram sozinhos, levavam noivas e namoradas, pois, você sabe, quando aperta a saudade... E em terra fria, a saudade aumenta.

Claro que os pais das noivas e namoradas, fazendo certo em não dispensar a guarda de sua prole, tiveram que ir juntos, e aí foi notadamente indispensável que cada família levasse sua empregada. A princípio, não queriam levar, mas as três domésticas se conheceram pelo Face, se reuniram e foram ao sindicato, e voltaram, com o estatuto debaixo do braço, exigindo ir na viagem. O prefeito, sendo um sujeito bom e justo, achou por bem acatar a lei. E foram-se todos.

Quando retornavam, já no aeroporto, tiveram que enfrentar uma barreira de jornalistas. Os assessores do prefeito (Ah! Eles foram também) logo organizaram espaço, no canto do saguão, para uma coletiva:

- Prefeito, Prefeito! O senhor levou dezesseis pessoas da família, pra Holanda, utilizando-se do Erário?

- Opa! Pera lá! Da família não, nem todos são da família!

- Prefeito, nossa equipe fez uma pesquisa rápida, no Google Earth, e descobriu que as ruas da sua cidade têm mais crateras do que a lua. O senhor não tem vergonha disso?

- Pesquisa rápida? Isso não é profissional! Faça uma pesquisa com calma, minha filha, e vai ver que a lua tem mais buracos. Pelos menos, maiores...

A mulher do prefeito tentava se esconder atrás da pilha de malas – pequenas lembranças da viagem a serviço do povo buracolandês.

- Primeira-dama, primeira-dama! Como foi o passeio? O que a senhora trouxe de Amsterdã?

- Nada de ilícito. Umas lembrancinhas, querida. As lojas estavam sem caixas pequenas. Tiveram que embrulhar nesses caixotes. O caminhão de transportes já está chegando aí.

Um repórter insistia com a mesma pergunta inconveniente, para saber a razão em levar tanta gente a passeio, gastando o dinheiro da arrecadação de Buracolândia. Começando a se irritar, Sua Excelência abriu, pois, a verba, quer dizer, o verbo:

- Olhem aqui, vocês da oposição, sempre pensando pequeno, né? Não sabem que fui a serviço? Estou captando recursos lá fora, vocês deveriam ficar orgulhosos, a cidade sendo representada em Amsterdã! Mas, não. Preferem encontrar defeito em tudo. Vocês não me deixam trabalhar...

- Mas, o senhor gastou quase quinhentos mil, na viagem, vindos do orçamento público.

- Gastei sim, e daí? É um investimento. Retornarão quinhentos milhões para a cidade, em aporte privado. Empresários holandeses estão interessados em abrir hotéis em Buracolândia. O consórcio já tem até um nome: Hole-Holand. Uma rede de hotéis, entendem? Com estação de neve artificial, em pleno verão! Tive que levar toda a equipe, sim, dezesseis. Vocês contaram? Acho que não passa disso. Precisei causar uma boa impressão, mostrando que tenho solidez familiar. Empresas costumam tratar seus negócios como uma família, e suas famílias, como empresas. Vocês sabem.

De repente, apareceu alguém no meio dos jornalistas, sem microfone, nem câmera, de uniforme cinza e boné. Levantou o dedo:

- Pois, não. Disse o prefeito.

- Ahn... Foi daqui que pediram o serviço de transportes?

O caminhão havia chegado. A primeira-dama convocou seus três filhos, noivas e namoradas, pais e empregadas, para ajudarem com as lembrancinhas, até o veículo estacionado na porta do aeroporto.

- Cuidado com as caixas em que vem escrito “cuidado”. Por favor, hein, por favor!

O caminhão era de uma empresa de Buracolândia. Pertencia ao irmão do prefeito, que a contratou com dispensa de licitação, por se tratar de serviço emergencial.



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