PF abre inquéritos para apurar denúncias de corrupção na Saúde


Em uma das gravações, Renata Cavas, gerente da Rufolo Serviços Técnicos e Construções, vai direto ao ponto. “Se eu ganho um milhão e trezentos, eu dou 130. É o normal”, diz.
A PF vai investigar crimes como corrupção, fraude em licitações, formação de cartel e peculato.
E informou também que vai estender a investigação a todos os contratos das empresas com a União.
“Chamou muito a atenção essa prática odiosa, que é do gestor corrupto e também das empresas que fomentam esse tipo de atividade, às vezes até colocando o gestor público refém dos preços por eles estabelecidos”, declara Victor Poubel, delegado da Polícia Federal.
Os flagrantes foram feitos no Hospital de Pediatria da Universidade Federal do Rio. Nenhum contrato foi fechado, mas durante dois meses, com a autorização de dois diretores, o repórter Eduardo Faustini se passou por gestor de compras.
O diretor aceitou a proposta de participar para mostrar como funcionam os esquemas de corrupção. “Acaba que essa associação do fornecedor desonesto com o comprador desonesto acaba lesando os cofres públicos. E a gente quer mostrar que isso não é assim, em alguns hospitais não é assim que funciona”, disse Edmilson Migowski, diretor do Instituto de Pediatria/UFRJ.
O repórter do Fantástico convidou quatro empresas, que estão entre os maiores fornecedores do Governo Federal para participar de licitações em regime emergencial - que não são abertas ao público. Três delas são investigadas pelo Ministério Público por diferentes irregularidades, e, mesmo assim, receberam juntas meio bilhão de reais só em contratos feitos com verbas públicas.
Cassiano Lima é gerente da "Toesa Service", uma locadora de veículos, convidada para a licitação de aluguel de quatro ambulâncias.
Na conversa, Cassiano falou em código: a palavra "camisas" se refere à porcentagem desviada.
“Dez camisas, então? Dez camisas?”, sugere.
“Pode melhorar isso, não?”, pergunta o repórter.
“Quinze”, aumenta.
Em outro encontro o presidente da Toesa, David Gomes garante o golpe.
“Bateu o crédito na conta. No máximo 48 horas depois, está na sua mão”, conta.
“Que tipo de moeda vocês têm a possibilidade...”, pergunta o repórter.
“A que você quiser. Normalmente a gente traz em real. É o real que está mandando”, diz.
Renata Cavas é gerente da Rufolo Serviços Técnicos e Construções. A empresa foi chamada para a licitação de contratação de mão-de-obra para jardinagem, limpeza, vigilância e outros serviços.
“Eu quero o serviço. Você escolhe o que você quer”, afirma.
“Então, normalmente, vocês trabalham...”, diz o repórter.
“Dez por cento, é o praxe. Mercado é 10%. Se a sua pretensão é 15, ótimo, você tem que me informar, porque eu vou formatar em cima da sua pretensão”, diz.
Carlos Alberto Silva é diretor e Carlos Sarres, gerente da Locanty Soluções e Qualidade, convidada para a licitação de coleta de lixo hospitalar.
“A gente abre para você o custo e a nossa margem, e a gente joga o percentual que você desejar, que você achar que encaixa”, afirma Sarres.
“A margem, hoje em dia, fica entre 15 e 20”, diz Silva.
Eles explicam como pode ser feito o pagamento da propina.
“Os caras são muito discretos. Nem parece que é dinheiro. Traz em caixa de uísque, caixa de vinho. Fica tranquilo. A gente está acostumado com isso já.”, afirma Sarres.
A representante da Rufolo sugere os locais onde o suborno pode ser entregue.
“Shopping, praia. Shopping. Subsolo, discreto. Quinta da Boa Vista! Sensacional. Floresta da Tijuca. Olha aí que bacana”, diz ela.
Jorge Figueiredo é representante comercial da Bella Vista Refeições Industriais. Ele faz projeções sobre os rendimentos de um esquema de corrupção nessa área.
“Isso é bom quando você está falando de três, como eu tenho aí. Eu tenho fornecimento de 12 mil serviços por dia. Aí, meu irmão. Tu bota 12 mil serviços em um dia, acrescentando mais um real em cada serviço e projeta isso para 30 dias. Aí é o diabo”, diz.
Nossa equipe foi à Bella Vista tentar ouvir a explicação do representante da empresa. Mas ninguém quis falar.
Mesmo com o esquema de propina o gestor do hospital precisa fazer uma licitação, até em casos de regime emergencial. Mas isso não parece ser um problema para as empresas que querem fraudar os cofres públicos. Elas oferecem um pacote completo, trazem até concorrentes que vão entrar na licitação, para perder.
“Vou trazer tudo filé. Só empresa boa, de ponta. Vou trazer empresa de ponta, tá? É uma troca de favores. Isso é muito normal, tá? É extremamente normal”, garante Renata.
O representante da Toesa voltou à sala do suposto gestor com as propostas que deveriam ser conhecidas apenas na abertura dos envelopes. E deu os valores, em milhares de reais:
“Dois, oito, zero (R$ 280.000). O nosso, Toesa. Dois, oito, zero. O outro é três, zero, um. (R$ 301.000). O outro é trezentos e treze. (R$ 313.000)”.
A representante da "Rufolo" fez a mesma coisa.
“Pode abrir? Não lacrei nada”, diz.
“O principal pra mim. Nossos 20%”, comenta o repórter.
“Tá tudo aí dentro”, afirma.
No dia da apresentação dos documentos, os representantes das empresas foram ao hospital para completar a farsa.
“Você é da Construir”.
“Trade, Carla”.
“Patricia está comigo. Rufolo”.
Se o contrato fosse cumprido, a Rufolo receberia cinco milhões e 184 mil reais. A propina seria de mais de um milhão de reais. A Locanty conseguiria a verba de 450 mil reais, que daria propina de quase 70 mil reais. A Toesa ganharia um milhão, seiscentos e oitenta mil reais pelo contrato. O desvio seria de 250 mil reais.
Por telefone, o presidente da Toesa negou participação em fraudes. “Vocês cismam que tem carta marcada e não tem prova pra isso. Você tem prova de que existe licitação de carta marcada?”, declarou David Gomes.
O representante da Rufolo aceitou falar, mas no dia marcado a entrevista foi cancelada pela secretária. Nossa equipe também foi à sede da Locanty. O gerente Carlos Sarres negou envolvimento nas fraudes.
“Desconheço completamente. Isso chega a ser fantasioso”, afirma.
“O senhor não oferece de maneira alguma suborno para o funcionário público?”, pergunta o repórter.
“De maneira nenhuma”.
“O senhor não vem com a licitação já preparada?”
“De maneira nenhuma”.
“A pessoa que rouba da saúde deveria ter o dobro da pena, porque quando você rouba o dinheiro da saúde você mata as pessoas”, afirma Edmilson Migowski, diretor do Instituto de Pediatria/UFRJ.
Mas os empresários corruptores não se preocupam com isso. “Uma das coisas que eu passo pros meus filhos: eu protejo meu contratante, meu contratante me protege”, disse David Gomes, presidente da Toesa/SA.
A Locanty informou que afastou temporariamente os dois funcionários que aparecem na reportagem e que a empresa jamais orientou os funcionários a agir desta forma.
A empresa Bella Vista Refeições Industriais informou que o representante que aparece na reportagem não tem poder nem autorização da direção da empresa para estabelecer qualquer negociação com órgãos públicos, e que ele está afastado da firma.
A produção tentou em entrar em contato com as cinco empresas que apresentaram propostas e que perderiam a licitação.
Júlio Diniz, sócio da Construir informou que a empresa nunca foi convidada a participar de nenhum tipo de esquema de propina e vai apurar as denúncias. A empresa Norte Fluminense Engenharia disse que não vai se pronunciar sobre o caso.
Os responsáveis da Thalis Transportes e Serviços, Trade Building Engenharia e Serviços e da Safety Med Assessoria Médica não foram localizados pelas nossa equipe.

Fonte: G1

Comentários

  1. O mais curioso é que o RJ TV faz diariamente reportagem sobre o MIGUEL COUTO no RJ, mostrando o hospital caindo aos pedaços, mas não mostra o CONDE MODESTO LEAL, que está muito pior. Será a ÉTICA DE MERCADO? A prefeitura paga propaganda na REDE GLOBO, e a GLOBO não apura os fatos?

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